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“Somos a maioria da população no Brasil, mas minoria nos espaços políticos e não haverá verdadeira democracia representativa enquanto não houver maior participação das mulheres e das pessoas negras nos espaços de decisões”

– Dani Portela

Dani Portela, filha por adoção de um ex-preso político da ditadura militar brasileira, é vereadora de Recife mais votada nas eleições de 2020 e hoje constrói um mandato que é, ao mesmo tempo, popular, antirracista, jovem, feminista, LGBTQIA+ e anticapacitista, que inclui as religiosidades e credos diversos, e enxerga as crianças como sujeitos de direitos. Candidata a governadora de Pernambuco em 2018 pelo PSOL, partido que integra desde 2016. Dani é conhecida como a “Mulher da Flor”, codinome do qual se orgulha. Ela também professora e advogada com mestrado em História.

CEAF: Quem é Dani Portela? O que você poderia nos contar sobre a sua história de vida?  Como você se tornou uma ativista?

Dani Portela: Eu gosto de me apresentar assim: eu sou Dani Portela, mulher, mãe, alfabetizadora pelo método Paulo Freire, alfabetizadora de adultos. Eu sempre falo isso, porque eu me movimento enquanto professora, eu sou professora de história, advogada popular e dentro de tudo isto, eu me apresento com filha do processo de redemocratização do país. Eu sou filha por adoção de um ex-preso político da ditadura militar brasileira, sou uma mulher negra adotada por uma família branca. A história da ditadura, a história da busca pela democracia, a história dessa luta marcou profundamente minha convivência com essa família, porque meu pai por adoção ficou estéril devido às torturas sofridas no cárcere e justamente minha adoção nesta família tem a ver com a luta pela democracia no Brasil, por isto eu me apresento como filha do processo de redemocratização.  Dentro dessa família eu cresci num ambiente bem politizado e desde muito cedo fui ensinada que tudo aquilo que eu aprendesse na vida, deveria ser partilhado com outras pessoas, e que eu deveria tentar transformar a realidade alheia. Ainda na infância comecei a ensinar outras crianças a lerem, pois ler foi a coisa mais revolucionária que aprendi.

Aos 14 anos ganhei um curso do Paulo Freire, o patrono da educação brasileira, um pedagogo que foi revolucionário para o Brasil daquela época e continua sendo até hoje. Quando entrei em contato com Paulo Freire, e entendi quando ele fala da pedagogia do oprimido, de uma pedagogia que tem que ser libertadora, entendi também que ensinar a ler não era somente juntar sílabas, mas ensinar a ler o mundo, a transformar a realidade de maneira crítica. Isso impactou a minha vida. A partir daí me reconheci como professora, primeiro de história e depois como advogada. Sou uma advogada popular, e desde quando ensinava história eu debatia a questão das desigualdades sociais, entendendo que essas desigualdades se estruturam a partir de alguns elementos, de classe, de raça e de gênero. Na advocacia atuei no enfrentamento à violência doméstica, nos movimentos sociais, etc... Eu vinha desses ambientes, da militância, do ativismo, do pensamento crítico, mas eu não me imaginava em uma militância política institucional, dentro de um partido político.

CEAF: E como foi sua entrada na política institucional? O que lhe motivou a entrar na política?

Dani Portela: Para falar de como cheguei na política, a gente precisa falar de 2016. Naquele ano estávamos vivendo um período de crise na democracia brasileira, essa democracia que ainda é muito frágil, que é muito recente, foram 21 anos de ditadura no Brasil, então nossa democracia é muito recente. Nós tínhamos eleito aqui no Brasil a primeira presidenta, imagine, as mulheres são sub-representadas na política e pela primeira vez na história do Brasil tínhamos eleito uma mulher, Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, e ela sofreu um processo de impeachment. No dia da votação do impeachment, meu pai por adoção contraiu chicungunha, chegando a falecer. Meu pai entrou no hospital muito angustiado com aquele momento, para ele a democracia estava em crise e ele não ia conseguir ser informado no hospital do que estava acontecendo. No dia da votação do impeachment de Dilma, quando o até então deputado Jair Messias Bolsonaro subiu na tribuna e dedicou seu voto a um torturador, naquele momento eu tomei uma decisão. Quando ele dedica seu voto ao Coronel Brilhante Ustra que foi o pavor da Dilma Rousseff, mas infelizmente ele não foi o pavor só da Dilma, também foi o pavor do meu pai, e de tantas mulheres.  Naquele momento eu decidi que queria ocupar mais um lugar, o lugar da política institucional, eu decidi que queria ocupar aquele plenário da câmera federal, dos deputados um dia, em memória dos desaparecidos, dos torturados, dos mortos pela ditadura militar, em defesa de uma democracia que sequer se completou em muitas periferias do nosso país.

CEAF: Você é do Nordeste, então, gostaríamos de saber quais são as particularidades desse contexto? Quais são as lutas do Nordeste?

Dani Portela: A gente tem que pensar no Nordeste pensando numa perspectiva maior. Se a gente pensa na história do Brasil desde o princípio, na forma como se deu a colonização do Brasil. O Brasil vive mais de 500 anos de história, mas uma história que é marcada pelo extermínio, pelo genocídio, pelos silenciamentos. Então, o início da história do Brasil é o início da dizimação dos povos que aqui viviam e o início economia daquilo que chamou Brasil na época, o desenvolvimento se deu através da escravidão. Essa violência marca a história do país de maneira profunda e ela traz consequências até os dias atuais. Olhando para a história do Brasil, a região que eu vivo, em épocas coloniais foram grandes produtoras de cana de açúcar, uma região também ocupada por muitos grupos indígenas. Eu vivo numa região que teve seu apogeu na época da monocultura açucareira. Aqui no Nordeste tivemos a primeira faculdade de direito do Brasil.

Aqui no Nordeste foram gestadas muitas das revoluções, embora eu questione se houve mesmo revoluções no Brasil. Então, daqui do Nordeste nasceram e se expandiram várias ideias revolucionárias, a gente. Mas como essa é uma região de origem escravocrata muito forte, a gente tem uma tradição de profundas desigualdades, o Brasil é um país de desigualdades, de verdadeiros abismos.   No passado o Nordeste foi próspero, mas devido à escravidão, os escravizados depois do processo de libertação, processo muito questionável, economicamente não tiverem condições de subsistência. Então, a gente tem um processo pelo qual as pessoas foram colocadas à margem, foram empobrecendo cada vez mais, e não por acaso essas pessoas negras ainda ocupam os lugares mais vulneráveis, mais distantes, mais periféricas, e essa região Nordeste é hoje considerada uma das regiões mais pobres, e pobres no sentido de desigualdade, onde  temos os maiores índices de concentração de renda na mão de poucos, Recife, minha cidade, por exemplo, é a capital mais desigual do país, com os maiores índices de desemprego, de violência, de encarceramento. Essa é a região Nordeste, uma região com uma história muito rica, plural, mas com uma história de violência, de desigualdade, que vem desde a história passada e ainda se perpetuam no presente.

CEAF: O que significa ser uma líder mulher afro neste contexto? Como você se sente neste papel de liderança?

Dani Portela: É um desafio e uma grande responsabilidade. É responsabilidade dessa liderança ampliar vozes. Eu acredito que nós fomos silenciadas no decorrer do processo histórico. As populações afro-indígenas foram silenciadas ao longo da história. Quando você olha por exemplo o campo da política, da política institucional, nós fomos sub-representadas. No caso das mulheres existe uma desigualdade de gênero marcante na política aqui no Brasil. Nós somos maioria da população no Brasil, mais de 50%, aqui no Nordeste, em Pernambuco, somos mais de 54 %, mas uma minoria nos espaços políticos, no espaço legislativo, não chegamos nem a 15 %.  No caso da mulher negra esse número é assustador, não chegamos nem a 2,5 %.  Então quando uma mulher negra consegue chegar neste espaço de liderança, ela traz em si a responsabilidade de não reduzir a liderança somente ao indivíduo, mas de ampliar as vozes que são diversas. Então, para mim, ser líder significa ampliar as vozes. Eu tenho o codinome da “mulher da flor”, pois eu tenho o cabelo black e sempre uso uma flor para adornar o meu cabelo, e eu gosto muito desse codinome, porque toda for carrega em si uma semente, uma semente de transformação, de mudança, esperança. Para mim ser líder é ser essa flor que espalha uma semente de luta por equidade, por igualdade, por igualdade racial, mas que também não sai do espaço de resistência e enfretamento a esse racismo estrutural que é profundamente marcado na sociedade brasileira.

CEAF: Quais são as emoções experimentadas por uma pessoa negra nesse contexto? Como é que o racismo opera?

Dani Portela: São muitos os sentimentos. O racismo no Brasil é uma estrutura. A gente tem que entender o racismo neste país como uma estrutura.  Há vários indivíduos que reproduzem essa estrutura e essa estrutura também reproduz esses indivíduos. O racismo é estrutural, estruturante, ele está no todo. É um desafio para gente ver o racismo como um todo, e não como uma parte. O racismo traz um sentimento de dor, de profunda tristeza, em alguns momentos de raiva. Em outros momentos também traz uma esperança, quando eu vejo que existe uma organização, quando eu vejo que que a gente vai se unindo e vai crescendo, naquilo que propõe o ubuntu, sou porque nós somos.

CEAF: E como a política institucional pode contribuir para lidar com essa dor? Com esse desconforto?

Dani Portela: Isso é um desafio, pois o espaço político é um espaço de violência. Algo que marca minha campanha política, durante a pandemia, é que a campanha teve como identidade e centralidade essa luta, ou seja, a luta pelo enfretamento ao racismo em todas as políticas públicas.  Então quando a gente entregava um panfleto e ouvia das pessoas de classes sociais diversas que elas se reconheciam em mim. As pessoas diziam: Eita, você se parece com a minha sobrinha, você se parece com uma vizinha minha.  E eu questiona como é que a gente se parecia. E a resposta era um parecer fisicamente, e sabe por quê? É porque a gente olha para os políticos e as políticas desse país e a gente não se parece com ninguém. A gente olha para o legislativo, pro parlamento, para o judiciário, para os juízes, prefeitos e presidentes, para esse conjunto que está na elite, que está no poder, que tem a caneta na mão, que pode tomar as decisões que impactam a nossa vida e a gente não se reconhece nessas pessoas. Aqui no nosso país, a maioria das pessoas que estão aí são brancos, são homens e brancos e heteronormativos. Então quando as pessoas diziam que se pareciam comigo, eu chamava a atenção para o tanto dessa gente que tá no poder não se parece conosco.  Então, eu defendo que a gente precisa também ser maioria nesses espaços de poder. Há uma distorção na sociedade brasileira. A gente tem a maioria formada por mulheres, por pessoas negras e isso não está refletido nos lugares de decisões. A gente precisa alterar essa distorção. Nesse país os espaços de poder não refletem a correlação que há na sociedade.  A democracia só será representativa com maior participação das pessoas negras, das mulheres, das pessoas plurais e diversas. Meu fazer político passa por transformar essa dor que não é só minha, essa dor que é histórica e coletiva, essa dor em luta, esses lutos diários em lutas, essa existência em resistência, pois   a gente precisa urgentemente de uma democracia verdadeiramente representativa em todos os espaços.

CEAF: E quais são os desafios que você enfrentou ou enfrenta no seu exercício de liderança?

Dani Portela: No Brasil a gente tem o mito da democracia racial.  Que há uma democracia na miscigenação das três raças. Isso é totalmente falso, isso maquia a verdadeira situação. Se você conversar com uma pessoa do Brasil, a maioria vai dizer que não é racista. Então como é que a gente pode pensar a construção de igualdade enfrentando a desigualdade que são de classe, gênero e raça. A gente precisa enfrentar a desigualdade a partir desses três elementos. Então, os desafios que enfrentei, como eu cheguei nesses espaços. Quando eu cheguei nesses espaços, no meu discurso de reintegração de posse, eu fiz referência às mulheres que vieram antes de mim, a Mariele Franco. Na violência política que ela sofreu, porque as mulheres negras constantemente são atingidas pela violência política. Veja, o Brasil é o país que mais mata defensores de direitos humanos no mundo. Então quando uma mulher como Marielle é assassinada e depois de três anos a gente ainda não sabe porque mandaram matar e quem mandou matar, isso demonstra que nossa democracia tá em crise, nossa democracia é falha, é doente. O silenciamento, a violência sofrida pela Marielle é a mesma violência e ameaça que outras mulheres negras sofrem na política. E por quê? Porque essas pessoas denunciam esse projeto político de genocídio e encarceramento das pessoas, dos jovens negros. Então a violência, o silenciamento, as desigualdades reproduzidas nos corpos e nos corpos negras. Então como é que eu posso enfrentar isso.

CEAF: E como funciona o seu exercício político? O que é mandata?

Dani Portela: A gente tem chamado de mandata esse exercício, como uma forma de subverter a língua portuguesa. Se a gente pensar na língua portuguesa desde as suas origens veremos que antes existia uma linguagem neutra. O sistema patriarcal, entretanto, marcou profundamente a língua. Uma dessas marcas patriarcais é perda da linguagem neutra. Então hoje o gênero neutro no português está no masculino. Portanto a “mandata” é para gerar desconforto mesmo, a gente ouve e pensa que a palavra está errada na língua formal, mas na verdade é uma construção política, pensando nesse espaço em que somos a minoria. Os espaços políticos não foram pensados para serem ocupados pelas mulheres. Então, nossa mandata é para trazer uma linguagem com algumas características femininas e feministas. A gente caracteriza a mandata como uma mandata primeiramente feminista, antirracista, antilgtbqi+fóbica, anticapacitista, que inclui as pessoas com deficiente e uma mandata que constrói com religiosidades e credos diversos. Então com essas características a gente mostra o todo que a gente quer alcançar. O nosso desafio é que ainda que a gente apareça como uma candidatura individual, um só CPF, é o meu rosto que aparece lá nas urnas, mas que a gente se entendesse como uma candidatura plural, coletiva.  Nossa mandata tem como princípio a paridade de gênero e racial. Estamos compostas em sua maioria por mulheres, por pessoas negras e pardas, mas a gente constrói com pessoas não-brancas, porque a gente entende que essa luta não é somente das pessoas negras, mas de toda a sociedade.

CEAF: E para você o que é igualdade? Como você a descreveria?

Dani Portela: Olha, é uma pergunta que tem sua complexidade. Acho que fui contaminada pelo direito. A gente discute muito o que é igualdade, justiça. Essa palavra tem vários sentidos. Se a gente pensar na epistemologia. Então o que é igualdade? Se a gente for pensar igualdade nesta perspectiva que chega para a gente. Na perspectiva colonial, esse conceito vem de longe, mas não dá conta da gente. Essa igualdade que vem desse tempo, da revolução francesa, essa igualdade que é fundamental nas democracias ocidentais, essa igualdade não nos alcança, porque essas igualdades não estão colocadas numa perspectiva decolonial. Então, será que a democracia gera igualdade para nós? Será que a igualdade tem a ver com equidade? Será que igualdade tem a ver com igualdade racial, será que são sinônimas.  Então, para nós o conceito de igualdade vem muito próximo dessa busca do que a gente chama de igualdade racial. Então a gente precisa pensar o racismo a partir das diferentes esferas, então assim, como a gente vai falar de igualdade e refletir sobre o racismo, que ele tá lá em todos os lugares, na epistemologia, na filosofia, nos livros, nas redes sociais, na história, nas ciências e até numa mesa de bar. É um assunto que é muito antigo, mas que tá presente em todo o nosso dia. Como é que a gente vai discutir igualdade, que parece um conceito que tá fora. Falando de igualdade, eu lembro muito de uma fala de Martin Luther King. Quando ele reflete sobre o tema, ele diz que tem um sonho. Eu tenho o sonho de que um dia nas colinas da Georgia os filhos do ex-escravos e os filhos dos ex-donos de escravos poderão se sentar juntos na mesma mesa da irmandade..

Então, pensando nessa igualdade, onde uma sociedade ideal, onde negros e brancos fossem irmãos, onde os filhos negros de Martin Luther King n]ao fossem julgados pelo tom da sua pele.  Será que essa realmente é a nossa busca, naquele discurso. Como é a gente pode discutir essa perspectiva de igualdade a partir da busca por uma igualdade racial? Então eu lembro de outra frase de Viola Davis: “deixe-me dizer uma coisa, uma coisa que separa as mulheres de cor de qualquer outra pessoa é a oportunidade”. Então a gente não pode falar de igualdade quando não existe igualdade de oportunidades. A gente só aceita falar de igualdade, debater igualdade, debater racismo, se a gente pautar isso, olhando para a questão das oportunidades, da igualdade de oportunidades. Igualdade é equidade, né, nesse sentido de uma justiça que seja social, uma justiça que se pauta por questões raciais.

A situação que a gente vive é muito grave, enquanto a gente tem uma desumanização de alguns corpos nessa sociedade, a gente tem a desumanização dos corpos das mulheres negras por exemplo, que são as maiores vítimas de violência sexual, de violência doméstica, então,  enquanto essa mulher negra não for considerada humana na nossa sociedade, enquanto ela ainda for vista como objeto sexual, para algumas pessoas de determinadas posições social, a gente precisa reconfigurar essa humanidade, porque não tem levado a igualdade, a equidade, a igualdade de oportunidades... é preciso romper o silêncio com esse ciclo de violências... Como é que a gente pode falar de igualdade se a gente não falar em equidade, em igualdade de oportunidades. Se a gente pensar que há mais de 500 anos a gente foi sequestrado da África, escravizados e toda a história de embranquecimento da nossa pele na suposta democracia  de miscigenação veio de violências, de estupros, então a gente vive numa sociedade que a igualdade se coloca de uma forma formal, existe uma igualdade que é garantida na lei, é uma igualdade legal,  todos somos iguais diante da lei, só que essa igualdade formal não é material, existe uma igualdade produzida nos textos, uma igualdade garantida na constituição, mas essa igualdade não é real, não é material, ela não  se materializa em ações concretas de igualdade de oportunidades. Então, a questão da igualdade é uma luta grande pra gente, a gente não pode falar de igualdade sem falar de igualdade racial, mas há uma distância grande. A gente precisa de muita luta para chegar em uma igualdade que seja tangível, palpável.

CEAF: E por que você pode ser considerada uma voz da igualdade?

Dani Portela: Eu sou uma voz da igualdade porque sou filha porque eu sou uma mulher negra, uma filha por adoção. Eu sou uma voz da igualdade porque eu vivo no quinto país mais violento do mundo para se nascer mulher. Eu sou uma voz da igualdade porque muitas mulheres estão sendo mortas no meu país. Eu sou uma voz da igualdade porque a cada nove minutos no Brasil uma mulher é estuprada e a maioria delas são mulheres negras como eu. Eu sou uma voz da igualdade porque eu luto pela vida das mulheres, de todas as mulheres. Eu sou uma voz da igualdade porque nossas irmãs, filhas, mães, tias, primas e sobrinhas ainda precisam resistir todos os dias para provarem que são iguais. Eu sou uma voz da igualdade porque nós ainda temos medo de andar de noite nas ruas escuras. Eu sou uma voz da igualdade porque não temos as mesmas oportunidades, nós estudamos mais, trabalhamos mais, e ganhamos os menores salários.

Eu sou uma voz da igualdade porque são justamente as mulheres negras que choram a morte dos filhos que são assassinados todos os dias pelo estado brasileiro numa política de morte. Eu sou uma voz da igualdade porque eu luto contra o encarceramento em massa dessa juventude pobre e negra de periferia.   Eu sou uma voz da igualdade porque eu sonho com uma cidade, com um país e com uma sociedade em que   as pessoas não sejam julgadas pelo tom da sua pele. Eu sou uma voz da igualdade porque eu questiono os lugares que eu construo. Eu sou uma voz da igualdade por entrar numa universidade e perceber que tenho poucos colegas negros e negras neste lugar, numa universidade de direito por exemplo, porque tem pouquíssimos professores negros naquele lugar, mas quando a gente olha para o serviço de limpeza, as pessoas estão lá e são na maioria da nossa cor. Eu sou uma voz da igualdade porque quando eu chego nessa universidade e vejo que as pessoas da minha cor estão limpando o banheiro que usamos, estão limpando a universidade, são ascensoristas nos elevadores, são seguranças de firmas terceirizadas de segurança privada, questionar esse lugar é ser uma voz da igualdade.

Eu sou uma voz da igualdade porque eu sonho com a liberdade pras mulheres, especialmente para as mulheres negras. Eu sou uma voz da igualdade porque eu luto pela igualdade e equidade de direitos que passa por equidade de raças e equidade de gênero. Eu sou uma voz da igualdade que se soma com muitas vozes, para que nós possamos ter as nossas vozes sejam ampliadas. Eu sou uma voz da igualdade porque eu acredito na nossa luta, eu sigo acreditando na luta das mulheres negras. Eu sou uma voz da igualdade porque eu não posso ser voz sozinha, porque eu acredito no princípio de que quando uma mulher sobe ela puxa a outra, porque eu acredito no princípio do ubuntu, porque   nós somos vozes da igualdade, e “eu não serei livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas.” – (Audre Lord). Eu sou uma voz da igualdade.

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