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“O racismo faz com que a nossa saúde mental, desde a nossa infância nos coloque em patamares de negação das nossas origens, mas nos coloca também em patamares de se achar o ruim, de acreditar que a nossa mediunidade, que a nossa espiritualidade, que a nossa ancestralidade, seja algo ruim, seja o primitivo, seja o não evoluído”

– Aline dos Santos

Aline dos Santos é escritora, Mc, poetisa, contista, redutora de danos, educadora social. Licenciada em história, nascida em Entre Rios no estado da Bahia, reside em Aracaju-SE e desde 2011, trabalha com temas ligados ao uso e abuso de substâncias psicoativas, saúde mental, identidade negra e auto gestão do corpo negro feminino, também trabalha com espiritualidade livre para pessoas pretas e com as terapias holísticas.

CEAF: Você poderia nos contar um pouco da sua trajetória de vida, da sua história? Em quais processos você trabalhou, e o que te levou a exercer o ativismo?

Aline dos Santos: Eu sou Aline dos Santos e nasci em uma cidade da Bahia chamada Entre Rios e morei toda a minha vida na periferia de Salvador. Eu fui adolescente de organizações não-governamentais, fiz parte de uma organização chamada cria, que é o centro de referência integral de adolescente e só a partir do cria eu comecei a ter mais contatos também com o pessoal do movimento negro de Salvador, especificamente do movimento hip hop, onde eu me tornei MC, e a partir do cria eu comecei a me dar conta e a me reconhecer mulher negra. Antes disso eu não tinha essa consciência de mulher negra, eu negava minha negritude.  Só através do trabalho do cria e junto com uma trabalhadora social chamada Carla Lopes, uma mulher negra e periférica como eu, é que eu inclusive iniciei o meu processo de rir, eu não ria, eu tinha vergonha do meu sorriso, da minha boca e de todos os meus traços de mulher preta. Isso fez toda a diferença.  Depois eu comecei todo um processo de militância no movimento hip hop como Mc, fui a primeira mulher no movimento de Salvador a fazer freestyle, que é o estilo livre de cantar rap. Isso começou a me trazer várias possibilidades e depois desse processo todo, eu fui morar em uma outra cidade no Brasil chamada Londrina, lá no Paraná, e lá que eu me deparei mais de frente com o racismo, mais nu, mais cru, mais cruel.

Fiquei um ano em Londrina, e retornando para Salvador eu começo a trabalhar com terapias holísticas, mais profundamente, porque eu iniciei este trabalho nas terapias em 2000 mais ou menos, mas em 2004 eu fortaleci mais esse trabalho como terapeuta e comecei a redirecionar minha vida em relação a muitas coisas. Eu já fazia parte do candomblé, uma religião de matriz africana. Comecei de 2018, eu acho que 2018 para cá, a  estudar espiritualidade livre de uma forma mais, menos ligada ao sistema religioso,  às leis e dogmas religiosos e comecei um trabalho terapêutico e espiritual com outras pessoas pretas, mas especificamente isso  começou a se intensificar quando eu fui me dando conta de que tinha pouco terapeutas negros em todos os cursos que eu fazia, em todas as vivências que eu participava, em todos os cursos de aprimoramento,  aos quais eu era aluna, tinha muito poucas pessoas preta, tinha turma que  praticamente não tinha pessoas pretas.  A partir disso eu comecei a me perguntar onde estava os terapeutas pretos, onde estavam as pessoas pretas nas terapias holísticas, na espiritualidade livre,  ou seja na espiritualidade longe das religiões, dos dogmas religiosos e fui me dando conta de que nós pessoas negras ainda estamos escravizado por sistemas escravocratas que se apresentam de diversas formas, dentre elas na forma religiosa e junto com os meus mentores espirituais, os meus orixás, eu comecei a entender quais eram os caminhos e os rumos a trilhar em relação a isso e recebi, eu vou falar para ficar mais forte,  para ficar mais tranquilo de falar, a intuição, a mentoria dos meus ancestrais, na verdade, falando mais tranquilamente, de que eu deveria iniciar o processo de trabalho de libertação energética e libertação mental com o nosso povo preto. E aí eu inicio um trabalho, eu não sei se eu posso dizer que é um trabalho de liderança, eu inicio um trabalho mais especificamente de trabalhar a espiritualidade livre para pessoas pretas, esse é o nome do projeto, é um projeto que eu tenho abraçado e que tem como mentoria alguns seres espirituais e muitos estudos em relação ao Egito, à África, à ancestralidade, à ancestralidade matriarcal.

CEAF: E atualmente quais são os processos que você lidera?

Aline dos Santos: Os processos que eu lidero hoje são processos relacionados ao equilíbrio energético e a saúde mental das pessoas pretas. Somos nós a maioria das pessoas que sofrem transtorno mental. Eu tenho observado, não tem nenhuma pesquisa mesmo nisso, mas tenho observado na minha prática ao longo desses 20 anos em saúde mental, eu sou formado em  história, mas eu sou especialista em atender pessoas que fazem uso de álcool e outras substâncias psicoativas e o meu trabalho foi durante 20 anos especificamente com pessoas que fazem uso de drogas e com seus familiares, nos projetos chamados de redução de danos, redução de riscos e danos, trabalhar com essa população usuária de droga, principalmente pessoas nas periferias de Salvador, na periferia de Londrina, nas periferias aqui de Aracaju, em Sergipe, onde resido há 10 anos, me fez compreender que existe um mecanismo energético espiritual que aprisiona e leva nós pessoas pretas para o uso de drogas, para encher as igrejas pentecostais, para relações de submissão. Isso me chamou muito a atenção e a partir daí eu comecei a fazer um trabalho mais específico em relação à espiritualidade e a energização com pessoas pretas por detectar que muitos dos públicos que eu atendi na saúde mental, especificamente com problemas de álcool e outras drogas, de saúde mental, depressão, ansiedade, síndrome do pânico, o que vamos chamar hoje de doenças mentais da modernidade, do milênio, somos nós pessoas pretas e eu comecei e estou ainda pesquisando quais são as raízes energéticas e ancestrais de sermos nós os alvos disso.

CEAF: Quais são as emoções experimentadas por uma pessoa negra nos contextos racializados e de que forma isso está conectado com a questão espiritual?

Aline dos Santos: Vou falar um pouco da minha trajetória e de onde observo as questões espirituais e emocionais. Eu comecei a entender minha mediunidade com 8 anos de idade e isso foi muito assustador para mim, minha mãe era uma mulher evangélica, uma mulher negra evangélica da Igreja Batista e eu comecei a ver espíritos e ouvir espíritos e as pessoas sempre falavam que isso era coisa de louco, coisa de maluco. As pessoas sempre colocavam as religiões de matriz africana de modo pejorativo, de modo negativos, então tudo que se relacionava com a espiritualidade voltada ao povo preto era considerado magia negra, e ainda hoje é considerado subversão, considerado negativo. E aí a gente cresce no contexto de medo da nossa espiritualidade, da nossa ancestralidade, por medo e por não querer pertencer ao mundo da negação que nós pessoas pretas somos obrigadas a vivenciar por ignorância do nosso poder energético.  Ao longo da vida eu fui de várias igrejas pentecostais, do Hare Krishna, fui do Budismo e antes disso a minha mãe foi para o espiritismo para entender o que é que tava acontecendo comigo. Minha mãe sai da Igreja Batista e vai para o espiritismo e a gente começa a caminhar juntas, mas o espiritismo é uma religião que traz Allan Kardec e ele não vai falar de cor, de raça. Kardec, por ser um homem branco francês, vai trazer para a linguagem do espiritismo uma linguagem branca europeia, que acaba não contemplando a riqueza e a multidiversidade que é você ser uma pessoa espiritualizada preta.  Ela vai usar alguns termos, vai falar de algumas coisas que acabam nos colocando a nós pessoas pretas novamente no círculo do racismo. Quando fala de espíritos negros, espíritos enegrecidos, que trabalham com magias negras e todos os termos espiritualistas ou espirituais que se quer falar de coisas negativas, colocam como negro ou como preto e isso acaba trazendo para as questões espirituais o racismo e acaba também não contemplando a nós pessoas pretas que estamos a fim de estudar a espiritualidade fora dos contextos das religiões não africanas ou não diaspóricas.

Quando você estuda espiritismo, você vai entender, você começa a achar e a acreditar  que os orixás, os caboclos, os  exus são espíritos não evoluídos, espíritos  que ainda não alcançaram uma evolução e ainda precisam viver... o racismo é encontrado nisso, o racismo  é também encontrado quando você vai ler a Bíblia, o racismo é encontrado quando você faz outras coisas relacionadas à espiritualidade e como mulher negra várias vezes eu comecei a entrar em crises, porque ao mesmo tempo que o espiritismo não me contemplava, mas ao mesmo tempo o espiritismo não contempla  outras pessoas pretas e  ao mesmo tempo  o Candomblé também não é a religião que muitas pessoas pretas querem, porque vêm de bases extremamente cristãs... o racismo faz com que a nossa saúde mental, desde a nossa infância nos coloque em patamares de negação das nossas origens, mas nos coloca também em patamares de se achar o ruim, de acreditar que a nossa mediunidade, que a nossa espiritualidade, que a nossa ancestralidade, seja algo ruim,  seja o primitivo, seja o não evoluído e faz com que muitas pessoas com faculdades mediúnicas de alto nível acreditem que quando recebe comunicações por seus ancestrais, com seus anjos de guarda, com seus mentores espirituais, com seus orixás, com seus vodus, erês, enfim, com toda linhagem ancestral, toda a linhagem espiritual que muitos de nós conhecemos, acabemos acreditando que estamos loucos e não é à toa que muitos de nós somos diagnosticado com esquizofrenia, com bipolaridade, transtornos mentais verdadeiramente colocados lá no cid, quando muitos de nós na verdade, eu posso falar isso trabalhando nos caps, no centro de atendimento psicossocial e nas clínicas que trabalhei durante vinte anos e  na própria rua mesmo, de pessoas que você percebe que energeticamente elas estão perturbadas, mas que mentalmente elas não estão perturbadas assim, mentalmente não existe o diagnóstico verdadeiramente de esquizofrenia, de doença mental; na verdade muitas dessas pessoas não sabem lidar com a sua mediunidade.

Isso é um fator que o racismo impõe para gente e coloca muitos de nós como loucos, quando na verdade se fôssemos tratados da maneira certa e com isso eu Aline não estou dizendo que não existem problemas reais de transtornos mentais ligados com a esquizofrenia, com bipolaridade e a outras doenças mentais relacionadas com as pessoas pretas, não é isso que eu estou falando, eu estou falando é que muitas pessoas pretas que são diagnosticadas como loucas ou com algum tipo de transtorno mental severo, são pessoas que se começassem a tratar a sua mediunidade, o seu lado emocional, seu lado espiritual, de formas reais, da forma espiritual, como deveria ser tratada,  talvez não fosse diagnosticada e não fôssemos nós a maioria da população de pessoas com transtorno mental internados nos manicômios dos grandes centros em todo mundo.

CEAF: Você acredita que esse excesso de pessoas negras nos hospitais psiquiátricos tem a ver com o processo de racismo estrutural e com a falta de igualdade?

Aline dos Santos: Não sei lhe dizer verdadeiramente se é com a falta de igualdade. Mas eu posso lhe dizer com toda certeza que é promovida no grande carro-chefe que é o racismo. E aí eu te falo, tem a ver com igualdade, tem a ver, pensando aqui mais profundamente, volto atrás, tem a ver com igualdade, mas tem a ver também com a forma que nós somos sempre colocados em todos, absolutamente em todos os dias das nossas vidas. Uma criança na infância, a criança preta na infância que fala que tá vendo espíritos, se a família dela depender da base religiosa da família dela, ela acaba tomando remédio tarja preta, uma criança branca também acaba tomando esses remédios tarja preta, mas a forma que a comunidade onde essa criança está inserida vai tratar essas crianças é que vai dar um impacto para o crescimento mental e emocional dessa criança. O tratamento que uma criança negra recebe, e é aí que eu posso falar de racismo estrutural e inclusive de racismo institucional, quando eu falo que dentro de um serviço de saúde mental, por exemplo uma criança preta que tem o mesmo transtorno mental de uma criança branca, a forma que os terapeutas tratam essas crianças são extremamente diferentes. Isso eu pude observar por anos e anos de clínica. A forma que se trata uma criança preta com autismo não é a mesma forma que se trata uma criança branca com autismo. Isso eu posso falar tranquilamente, com toda certeza.

A forma que o homem preto com esquizofrenia é tratado na comunidade, principalmente a depender de onde  ele é , onde ele mora, qual é o contexto sócio-histórico daquela comunidade, qual é a pirâmide que essa pessoa vive e nesta pirâmide a gente vai estar colocando o sujeito no topo da  pirâmide e eu posso falar isso também em relação ao uso de drogas,  a forma que as famílias brancas lidam com seus filhos drogaditos,  usuários de drogas, dependentes do uso de drogas,  a forma que essa família trata, lida, os lugares onde essas pessoas são internadas são extremamente diferentes dos locais onde as pessoas pretas são tratadas, a nível de como a polícia trata, a nível de como o próprio manicômio  trata, a nível de como a comunidade trata, qual é o entendimento que essa comunidade vê. Uma criança branca com autismo, ela é tratada com muito mais carinho, com muito mais amor, com muito mais empatia daqueles cuidadores do que uma pessoa preta, a criança preta, que inclusive é taxada com várias palavras, com várias coisas extremamente maldosas e quando você vai observar, tudo isso tá travestido de racismo institucional.

Quando você tem uma mulher negra que sofre em todo seu trabalho de parto várias e várias violências obstétricas dentro de hospital, que ao final desse parto, de várias formas de violência culmina em outros processos aos quais naquele momento específico do parto, que é um momento especial para qualquer mulher, independente da sua raça, da sua cor, da sua religião, ao qual ela é submetida a vários níveis de sofrimento para além do momento do parto que faz com que ela lembre de todo o histórico de vida, porque no parto a gente morre e a gente renasce, e durante esse momento dessa mulher parturiente preta, ela se depara com toda estrutura que ela já viveu durante  a vida toda e acaba culminando numa depressão pós-parto e a comunidade e a sociedade muitas vezes não acolhe essa mulher preta da mesma maneira que acolhe uma mulher branca  em depressão pós-parto. Isso que eu tô falando para vocês são algumas formas de racismo ligada à saúde mental, com as quais eu venho trabalhando, da mesma forma que uma mulher preta militante, quando entra em depressão, que não são poucas,  não são poucas a quantidade de mulheres pretas militantes que entram em depressão em algum momento de suas vidas, a forma que elas são acolhidas dentro e fora dos movimentos sociais organizados de pessoas pretas e fora deles, a forma que essas mulheres são abraçadas, a forma que são acolhidas por outras mulheres pretas ou não, não é a  mesma forma que as mulheres brancas se relacionam e se auto acolhe,  bem como um homem agressor ou um homem depressivo.

CEAF: E será que podemos olhar para as práticas espirituais como formas de resistência ou de terapia do nosso povo negro, do nosso povo afro, frente a todo esse contexto?

Aline dos Santos: Hoje eu tava falando comigo mesmo sobre isso. Do quanto muitas vezes o processo colonização do nosso povo tá tão arraigado que mesmo dentro das religiões de matrizes africanas, onde nós deveríamos ser acolhidos dentro da nossa totalidade, mesmo dentro da todos os contextos relacionados às demandas espirituais e aos locais que deveriam ser locais de acolhimento da nossa espiritualidade, do nosso ser,  da nossa orientação sexual, do nosso ser como nós somos enquanto indivíduos completos, acabam sendo espaços de violência, acabam sendo espaços de exclusão também,  acabam sendo espaços de barganha e de práticas violentas e eu falo isso tranquilamente abertamente porque esse foi um dos motivos que me fez sair do Candomblé e entender que os orixás, eles habitam e  estão em mim, dentro e fora de mim, independente de sistemas religiosos. Isso é espiritualidade livre para pessoas pretas, quando as pessoas pretas começam a entender que nós temos nossa mestria, nós temos poder espiritual, nós temos uma ancestralidade, nós temos poder e arsenal energético, independente de estarmos dentro de qualquer estrutura religiosa, mas que ninguém, absolutamente ninguém, sem uma construção de fé e aí eu falo fé independente de religião, de acreditar firmemente em algo,  nem que seja em você mesmo ou em você mesma,  na fé que você tem em acreditar nos elementais da natureza, no fogo, na água, no ar, no tempo, nas quatro orientações, leste, sul, norte, oeste, mesmo que sejam essa sua forma de crer  na vida, de crer no mundo, quando você consegue estabelecer esse entendimento, que existe uma força maior que você, que sustenta todo um povo preto,  e todo o povo independente de ser preto ou não, aí você consegue entender que há lugares e aí eu posso falar do Candomblé, sem problema nenhum.

As estruturas do Candomblé ainda é uma estrutura racista, ainda é uma estrutura, eu não vou dizer racista, mas que sustenta com muita força pensamentos arraigados e pensamentos ligados a colonização. Um exemplo disso é como as casas lidam com a energia do Orixá, como se fossem senhores punitivos, como se fossem senhores que vá lhe castigar se você não for na festa, se você não for no terreiro, como entidades que lhe matam se você sair do Candomblé, entidades energéticas que se você não oferece, não da obrigação, o santo vai lhe matar. Isto é loucura. Isso é da estrutura que a Igreja Católica sempre gerou e colocou para nós, isso é de uma mentira gigantesca, isso coloca a gente no lugar de medo tão grande, o quanto nosso opressor nos coloca, né? Coloca a gente no sistema de escravização que nos liga às nossas identidades, ao nossos ancestrais através do medo, da culpa, da vergonha. A vergonha tá muito presente na estrutura do Candomblé e isso tudo nos adoece mentalmente. Se eu, quando saísse, quando eu fiz santo, se eu não tivesse recebido aí da minha mãe na época o estudo com os organits,  foi aí comecei a estudar organits, aí eu comecei a estudar cristais,  mais aí eu fui conhecer a fraternidade branca e ela não tem nada a ver com ser preto ou ser branco, tem a ver com outras coisas, quando eu começo a acessar uma espiritualidade para além do Candomblé,  que eu começo a entender que eu não tenho que ter medo do meu Orixá,  meu Orixá faz parte da minha essência, eu não tenho, aí eu consigo criar um outro mundo, mas eu passei por vários momentos que eu achei que eu ia surtar, que eu ia pirar cabeção, que eu ia enlouquecer. E como eu tive essa estrutura espiritual, outras pessoas também tem, quantas pessoas a gente conhece que tá dentro das religiões e estão passando por momentos de depressão, de medo, de culpa, porque está totalmente ligado a todo o contexto que o racismo nos impõe. Então a gente não pode encontrar dentro das religiões de matriz africana estruturas racistas as quais a gente já encontrou do lado de fora, eu acredito que as religiões de matriz africana e os espaços que pregam religiões deverão se livrar de uma vez por todas do medo da culpa, né? Desse sentimento que gera para gente na maioria das vezes transtornos mentais.

CEAF: Como você acha que a gente podia alcançar um nível de consciência livre, como é que a gente pode ir além do contexto racista?

Aline dos Santos: Primeiramente soltar nossas amarras, soltar nossas amarras, nossos sistemas de crenças, principalmente pararmos de acreditar que os brancos têm qualquer tipo de poder sobre nós. Nós, pretos e pretas alimentamos essa crença muito forte e isso cria o campo energético em torno das pessoas pretas e uma luta sem fim entre corrente e lados de ser preto ou ser branco, isso é  uma grande ilusão e com isso eu não estou falando que não existe racismo, estou falando que os brancos não tem poder nenhum sobre nós, e que se os sistemas seguem racistas e as empresas continuam sem contratar  e nós continuamos acreditando que o branco é quem fala para onde a gente pode ir para onde a gente não pode ir, automaticamente a gente alimenta a roda do racismo, todas as pessoas pretas que chegaram a qualquer nível de poder, entre aspas, qualquer nível de poder,  por exemplo Barack Obama conseguiu ser presidente dos Estados Unidos, porque em nenhum momento ele acreditou que o racismo podia barrar ele. É um exemplo. Então se nós pessoas pretas ou todos sem exceção começarmos a entender que a branquitude,  que o nosso problema não é os brancos, mas o sistema escravocrata que nos aprisiona a vários níveis e que está arraigado nos nossos DNAs cósmicos, ou seja nós encarnamos e reencarnamos acreditando que alguém ou que alguma força tem algum poder sobre nós, continuamos nessa roda gigante de quem está em cima e quem está embaixo e acaba acontecendo que quando muito de nós pretos chegamos lá em cima no topo, acabamos por vezes tentando subjugar quem ainda não alcançou alguns degraus a mais do que os que a gente alcançou. Isso é uma grande ilusão, a vida é uma grande gangorra, uma grande escada rolante em que aqueles degraus só sobem e desce e a roda gigante sobe e desce, e qualquer um pode chegar em qualquer lugar, quando se deixa de dar força e de colocar força no racismo. Eu sei que o racismo existe eu combato ações racistas, mas hoje o racismo não me segura em nada nesse planeta terra e o racismo hoje não delibera o que que eu faço e o que eu não faço, o racismo hoje não é o meu alvo o meu alvo hoje são pessoas pretas se empoderarem do que nós todos e todas somos capazes de fazer.

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