1. Introdução
Em um mercado dinâmico e globalizado, pessoas e empresas devem ter capacidade de adaptação e transformação, como destacado nos estudos de Li, Su, Zhang e Mao (2018), Toledo, Quelopana e Pollero (2007) e Farah Jr. (1999). O empreendedorismo digital se desenvolve cada vez mais e é evidenciado na sociedade brasileira, tendo como base a criação de um negócio centrado principalmente em meios digitais ou na transformação de negócios existentes, utilizando novas tecnologias (Fang e Collier, 2017).
Empresas digitais se destacam no setor bancário, tornando-se preferência por parte de consumidores e clientes, pois como característica geral utilizam sistemas que dispensam a presença física para a realização de negócios (Estrada, 2005), situação de grande importância no período de enfrentamento da pandemia de COVID-19. Para que as instituições bancárias tradicionais se mantivessem em funcionamento e competitivas, precisaram acompanhar esses movimentos, seguindo as tendências das fintechs (Oliveira e Malagolli, 2016), que realizam suas atividades de forma digital em sua quase totalidade. Com o surgimento das fintechs no setor bancário, as instituições bancárias tradicionais, que nesta pesquisa serão chamadas apenas de instituições bancárias, passaram a ter a necessidade de modificar os padrões de atuação, acompanhando as inovações do setor.
Neste contexto, é possível relacionar o estudo da replicação de processos e padrões de realização de atividades, iniciado por DiMaggio e Powell (1983), que destacaram que o desenvolvimento de novas práticas por meio da teoria institucional e do isomorfismo oferece contribuições para o desenvolvimento de estratégias. Um dos pontos de maior destaque na teoria institucional são os mecanismos isomórficos, forças que levam as organizações a se assemelharem (Vasconcelos, 2004) e são influenciados por padrões coercitivos, normativos e cognitivos predominantes no contexto ambiental das organizações (Crubellate, Grave e Mendes, 2004).
Os efeitos e processos da teoria institucional são identificados na persistência das instituições (Currie, 2012) que, em busca de êxito nos negócios, tendem a atuar de forma semelhante umas às outras, dependendo de sua capacidade de resposta às condições do ambiente em que estão instaladas (Jaja, Gabriel e Wobodo, 2019). Com o surgimento da pandemia de COVID-19 e, consequentemente, com a necessidade de mudança de comportamento das instituições bancárias, é possível identificar uma tendência ao rompimento dessas práticas isomórficas, incentivando o desenvolvimento tecnológico. Ainda que as instituições bancárias brasileiras invistam grande quantidade de recursos em tecnologia (Teixeira e Cavalcante, 2005), suas grandes estruturas dificultam o atendimento de seus clientes de forma ágil e desburocratizada.
Nos novos formatos das relações das instituições bancárias com seus clientes, as tecnologias disponíveis conduzem o empreendedorismo digital a uma nova fase, oferecendo novos rumos para as relações no setor (Albertini e Muzzi, 2016). Os avanços tecnológicos alcançados favoreceram as instituições bancárias quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendou que os países entrassem em quarentena, com o fechamento do comércio de produtos e serviços não considerados essenciais e a recomendação para que as pessoas ficassem em suas casas, saindo somente para atividades realmente necessárias.
Desta forma, com base na teoria institucional, torna-se importante compreender se a pandemia exerce influência sobre as forças isomórficas (Alperstedt, Martignago e Fiates, 2006), movendo os bancos tradicionais cada vez mais em direção ao empreendedorismo digital. Neste artigo, empreendedorismo digital é visto como a transformação de negócios existentes utilizando novas tecnologias (Fang e Collier, 2017). Assim, emerge a questão de pesquisa deste estudo: Como a pandemia de COVID-19 impacta o empreendedorismo digital exercido nas instituições bancárias brasileiras tradicionais?
Esta pesquisa, de natureza qualitativa e exploratória, tem como objetivo avaliar as mudanças ocorridas em instituições bancárias brasileiras tradicionais em direção ao empreendedorismo digital, em decorrência da pandemia de COVID-19. Para isso, foram investigadas as três maiores instituições bancárias brasileiras tradicionais (pelos critérios de ativo total, patrimônio líquido e lucro), o Banco Itaú Unibanco, Banco Bradesco e Banco do Brasil, por meio de entrevistas semiestruturadas com profissionais que neles atuam. Os resultados evidenciam mudanças na operacionalização dos negócios e no relacionamento com os clientes em decorrência da pandemia, com destaque à migração da quase totalidade de produtos e serviços do formato físico para digital e avanço dos segmentos e escritórios digitais nas instituições. Com relação ao isomorfismo, identificou-se a existência de movimentos coercitivos, miméticos e normativos.
Após a introdução, este artigo apresenta uma breve revisão de literatura. Na terceira seção, está detalhado o método utilizado para a realização desta pesquisa. Na quarta seção, são apresentados os resultados com base no estudo empírico. Na quinta seção, são feitas discussões e as considerações finais.
2. Fundamentação teórica
O referencial teórico apresenta, inicialmente, conceituações sobre o empreendedorismo digital. Na sequência, são abordadas as principais descrições da teoria institucional e do isomorfismo em suas diversas formas. Por fim, são apresentados os bancos tradicio nais e as fintechs, que nortearam o desenvolvimento deste estudo.
2.1 Empreendedorismo digital
Em um período em que a economia mundial está passando por grandes transformações impulsionadas pelo progresso tecnológico (Szalavetz, 2020) e pela pandemia de COVID-19, a tecnologia se torna mais presente na rotina das pessoas, tendendo a facilitar as relações e as atividades. Assim como a tecnologia, o relacionamento entre pessoas e empresas também se mantém em constante evolução, se direcionando principalmente para a utilização dos meios digitais. Através de um equipamento conectado à internet, por exemplo, é possível realizar compras, solicitar comida, transportes, realizar investimentos e até mesmo conhecer pessoas. A utilização dos meios digitais permitiu a expansão e o avanço de muitos negócios que antes eram desconhecidos.
A dinâmica de transformação constante da tecnologia da informação teve início há mais de cinquenta anos (Steininger, 2019). Nesse contexto, quando são identificadas lacunas nos processos de transformação, na comercialização de produtos ou na prestação de serviços, tem-se a oportunidade de desenvolver novos negócios (Kraus, Palmer, Kailer, Kallinger e Spitzer, 2019). Outra oportunidade que se apresenta é a de transformar os negócios já existentes, por meio do empreendedorismo digital (Fang e Collier, 2017).
Esta subcategoria do empreendedorismo é considerada um pilar de desenvolvimento para muitos países, para a criação de empregos e para a inovação (Barros e Pereira, 2008). Os empreendedores que mobilizam recursos e criam valor são a chave para a criação e modernização de instituições que sustentarão o desenvolvimento econômico (Feldman, 2014). Eles dão preferência aos serviços digitais por necessitar de menos investimentos e tornar a produção de serviços automatizados mais barata (Bader, 2011). De acordo com Ammirato, Sofo, Felicetti, Helander e Aramo-Immonen (2019, p. 225), através “do dinamis mo, da capacidade de ruptura com o mercado, com foco em inovação e novas tecnologias e tolerância ao risco”, o empreendedorismo digital é a “chave para o crescimento econômico”. A Tabela 1 apresenta as principais conceituações de empreendedorismo digital.
Autor /Ano | Descrição |
---|---|
Hu, Hart e Cooke, 2007 | Subcategoria do empreendedorismo em que alguns dos recursos, ou mesmo todos, que seriam físicos nas empresas, passam a ser digitais. |
Bialetti, 2012 | Investimento em um projeto que reúne e distribui indivíduos especializados e ativos heterogêneos, relacionados aos avanços no conhecimento científico e tecnológico. |
Domenico, Daniel e Nunan, 2014 | Empreendedores que utilizam tecnologia para permitir o crescimento dos negócios além dos limites físicos dos seus negócios. |
Richter, Kraus e Syrjä, 2015 | Caracteriza-se como uma completa mudança nos modelos de negócios tradicionais. |
Giones e Brem, 2017 | Tipo de empreendedorismo que visa explorar oportunidades relacionadas aos avanços da ciência e engenharia. Está relacionado com os conceitos de insumos, de plataformas e de infraestrutura de informações. |
Sussan e Acs, 2017 | Participantes envolvidos em negócios e que utilizem tecnologias digitais. |
Nambisan, 2017 | É um fenômeno que utiliza características específicas das tecnologias digitais para moldar as atividades empresariais. |
Recker e Von Briel, 2019 | Concepção, uso e comercialização de tecnologias digitais para a criação de atividades. |
Kraus et al., 2019 | Mudança completa do modelo de negócio antes praticado, onde as empresas mudam seu modus operandi de seus negócios de off line para on line. |
Fonte: elaboração própria.
As empresas digitais se apresentam altamente dinâmicas em relação aos modelos tradicionais e muito contribuem para o desenvolvimento do campo do empreendedorismo digital, principalmente em um momento em que se faz necessário o distanciamento físico entre as pessoas. Contrapondo os modelos tradicionais, com atuação nos ambientes físicos, oferecem amplos incentivos e favorecem o desenvolvimento de forma macroeconômica, gerando oportunidade de empregos, aprendizado profissional e desenvolvimento conjunto.
Autio, Szerb, Komlósi e Tiszberger (2018), por meio do relatório do Índice Europeu de Sistemas de Empreendedorismo Digital (EIDES) definem os seguintes recursos como aspetos centrais para se analisar o empreendedorismo digital: capital humano, criação e disseminação de conhecimento, finanças e redes. A partir desses recursos, foi criada a Tabela 2, que consolida os fatores de empreendedorismo digital encontrados na revisão de literatura, enquadrando-os segundo os recursos do EIDES.
Recursos | Autor | Fator de análise em empreendedorismo digital |
---|---|---|
Hull et al., 2007 | Adaptações ou mudanças na comercialização de produtos ou serviços bancários | |
Bader, 2011 | Produtos e serviços de forma digital | |
Finanças | Kraus et al., 2019 | Busca por eficiência operacional |
Kraus et al., 2019 | Confiança dos clientes nos negócios digitais | |
www.moneytimes.com.br, recuperado de maio de 2020 | em 02 Mudanças no relacionamento com os clientes durante a pandemia de COVID-19 | |
Redes | Gomber, Koch e Siering, 2017 | Infraestruturas digitais |
Steininger, 2019 | Sistemas de tecnologia da informação | |
Capital Humano | Hull et al., 2007 | Quadro de colaboradores |
Criação e | Sussan e Acs, 2017 | Participação no desenvolvimento digital |
Disseminação de | Kraus et al., 2019 | Mudanças nos modelos de negócios |
conhecimento | https://www.moneytimes.com.br, recuperado de maio de 2020 | em 02 Mudanças na operacionalização dos negócios durante a pandemia de COVID-19 |
Fonte: elaboração própria.
A seguir, são brevemente abordados a teoria institucional e o isomorfismo (com suas diferentes forças), que são utilizados como lente teórica neste estudo.
2.2 Teoria institucional e isomorfismo
Os estudos sobre a teoria institucional foram iniciados a partir das pesquisas de Zucker (1977), Meyer e Rowan (1977) e de DiMaggio e Powell (1983), destacando como o ambiente pode influenciar os processos empresariais e a forma de realização de suas atividades (Eberhart, Eesley e Eisenhardt, 2017; Ye, Zhou, Anwar, Nabeel e Asmi, 2020; He, Nazari, Zhang e Cai, 2020). A teoria institucional considera a formação do mercado a partir do processo de legitimação das organizações (Yang e Wang, 2012), mas elas ainda enfrentam dificuldades para estabilização em termos de estrutura e gestão (Bouilloud, Pérezts, Viale e Schaepelynck, 2020).
A teoria institucional fornece embasamento para compreensão das mudanças nas instituições, buscando um padrão de isomorfismo em resposta às pressões institucionais (embora as instituições tenham padrões diferenciados de comportamento) e destaca que as instituições replicam modelos de outras empresas para ter maior visibilidade (DiMaggio e Powell, 2005; Burdon e Sorour, 2020; Arestis e Stein, 2005; Carvalho, Vieira e Lopes, 1999; Meyer, 2001). Para se legitimarem, as organizações incorporam aos seus negócios atitudes, práticas e procedimentos semelhantes aos estabelecidos no mercado (Inglat, dos Santos e Júnior, 2017). O processo de isomorfismo pode ser compreendido como a tendência à busca por homogeneidade, fortalecimento, estabelecimento e legitimação dos negócios (Assis, Andrade, Carvalho Neto, Tanure e Carrieri, 2010; Freitas e Guimarães, 2007), tornando as empresas dependentes de sua relação com o ambiente e com as demais empresas (Contreras, Rejas, Castillo e Ponce, 2017).
Em seu contexto genérico o isomorfismo institucional busca compreender o porquê de as instituições se tornarem isomórficas em virtude das pressões sociais (Iredele, Tankiso e Adelowotan, 2019), embora se considere difícil mudar sua estrutura em virtude de sua resistência a se adaptarem às inovações (Albertini e Muzzi, 2016). Através dele, busca-se entender a homogeneidade atingida pelas organizações, que se tornam semelhantes em termos de formas e de desenvolvimento de processos (Jepson, Kirytopoulos e Chileshe, 2020; Lai, Wong e Cheng, 2006). O isomorfismo institucional se subdivide em coercitivo, mimético e normativo (DiMaggio e Powell, 1983), que serão explorados a seguir.
2.2.1 Isomorfismo coercitivo
O isomorfismo coercitivo é gerado a partir da expectativa das instituições sobre o ambiente cultural e jurídico da sociedade, e incorporado através de normas e leis (Seyfried, Ansmann e Pohlenz, 2019). Ele decorre das influências e da legitimidade, sendo exercido em instituições que se tornam dependentes de outras, buscando atender às expectativas da sociedade em que estão inseridas (Lai et al., 2006). O isomorfismo coercitivo é resultante de pressões sobre as instituições e depende das condições culturais no ambiente em que estão instaladas (Currie, 2012). Esse tipo de isomorfismo pode ser exercido por meio de convite, persuasão ou até mesmo coerção, de forma que o ambiente influencia a estrutura e o comportamento de uma organização (Sacomano Neto, Truzzi e Kirschbaum, 2013).
2.2.2 Isomorfismo mimético
O isomorfismo mimético relaciona-se à insegurança quanto ao sucesso dos negócios, ao grau de incerteza do ambiente, que faz com que as organizações repliquem boas práticas do mercado (Novais e Fernandes, 2011; Hull et al., 2007), situação muito característica em um momento de pandemia. Essas forças fazem com que as instituições busquem se assemelhar às demais por insegurança em relação ao sucesso ou insucesso dos negócios (Currie, 2012), ou seja, envolve a replicação dos modelos de negócios já existentes. Esse tipo de comportamento traz benefícios econômicos para as organizações, visto que reduz custos na busca de soluções viáveis para problemas encontrados, pois replica ações que resultaram em retornos positivos (Hu et al., 2007).
2.2.3 Isomorfismo normativo
O isomorfismo normativo resulta da profissionalização ou da formação de normas, sendo que uma forma de pressão normativa ocorre quando uma organização busca estar em conformidade com as melhores práticas, usando padrões ou modelos no mercado (Sacomano Neto et al., 2013). A definição desse tipo de isomorfismo está relacionada ao compartilhamento de normas e métodos de trabalho pelos participantes de um determinado segmento profissional, que passam a direcionar seu comportamento (Inglat et al., 2017) e decorrem da profissionalização das atividades (Currie, 2012).
Tendo sido abordados aspectos relacionados à teoria institucional e ao isomorfismo em suas diferentes formas, a seguir, explora-se o contexto deste estudo: as instituições bancárias tradicionais que sofrem influências das fintechs para sua modernização.
2.3 Instituições bancárias tradicionais e fintechs
O desenvolvimento das telecomunicações e da tecnologia de informação favoreceu a evolução das instituições bancárias brasileiras tradicionais, facilitando as relações com seus clientes e possibilitando o atendimento de um número muito maior de pessoas, além de maior diversificação de produtos e serviços. Para manterem-se competitivas, as instituições precisam inovar constantemente. Assim, com a necessidade do aumento da lucratividade, buscam formas de compensar a redução de receitas gerada pelo aumento da concorrência.
As agências bancárias passaram por grandes transformações em anos mais recentes, tornando-se essencialmente um ambiente para a realização de negócios, aumentando as áreas de autoatendimento e reduzindo suas áreas operacionais, como o atendimento dos caixas e balcões de serviços, por exemplo (Frizon, Brum e Wendt, 2020). Algumas instituições passaram a fazer uso da inteligência artificial para facilitar a comunicação com seus inúmeros clientes, reduzindo ainda mais seus custos operacionais e atendendo a um número cada vez maior de clientes (Lima, 2016). Muitos atendimentos passaram a ser feitos exclusivamente pelas áreas de call center e sistemas de internet, e seus colaboradores foram treinados para direcionar os clientes para canais de autoatendimento em períodos que antecederam a pandemia de COVID-19.
Com a aceitação dos canais digitais pelos clientes, abrem-se oportunidades para novas modalidades de negócios que contribuem para o aumento da concorrência (Dantas, Medeiros e Paulo, 2011), e possibilitam a continuidade dos negócios durante o período de distanciamento social para o enfrentamento da pandemia. A mudança dos mecanismos bancários, considerada por Lee e Shin (2018, p. 1), uma “mudança no jogo, uma inovação disruptiva capaz de sacudir o tradicional mercado bancário” teve início com o surgimento das fintechs e foi fortalecida a partir do enfrentamento da pandemia de COVID-19. Ao que tudo indica, essas mudanças serão a tendência mundial para as próximas décadas, embora se apresente uma nova crise em virtude dos efeitos gerados pela pandemia de COVID-19 (desde a crise de 2008, as economias foram aos poucos se reestruturando e voltan do a crescer, fortalecendo as instituições).
Em virtude da necessidade de reclusão de pessoas em suas casas por todo o mundo, visando minimizar o contágio e o agravamento das condições de saúde, muitos negó cios, especialmente o comércio de produtos considerados não essenciais para a sobrevivência, foram fechados temporariamente. Esse fato fez com que muitas empresas passassem a enfrentar dificuldades para manter seus compromissos, tendo de reduzir o quadro de colaboradores, o que elevou consideravelmente o desemprego. Embora a crise traga sérios problemas econômicos para o país e para a sociedade como um todo, por outro lado, a necessidade de as pessoas ficarem em suas residências fez com que muitos que anteriormente não eram adeptos à utilização dos serviços bancários por meios digitais, passassem a utilizá-los, contribuindo para o avanço da digitalização no setor no período de enfrentamento da pandemia.
A seguir, são apresentados os procedimentos metodológicos deste estudo.
3. Métodos e técnicas de pesquisa
3.1 Delineamento da pesquisa
A pesquisa é de natureza qualitativa e exploratória (Creswell, 2010), visto que o estudo das forças isomórficas nas instituições bancárias brasileiras tradicionais a partir do surgimento da pandemia de COVID-19 e sua influência no empreendedorismo digital é algo novo, com poucas pesquisas que relacionem os temas. Nas pesquisas exploratórias, os estudos têm a finalidade de conhecer, de forma mais ampla, fatos e situações relativamente desconhecidos, possibilitando uma investigação mais completa sobre determinado fenômeno (Révillion, 2003). A pesquisa foi realizada a partir de um roteiro de entrevistas semiestruturado (Manzini, 2012), sendo essas entrevistas realizadas com colaboradores das três instituições bancárias citadas: Itaú Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil.
3.2 Procedimentos de coleta de dados
Os dados foram coletados por meio de entrevistas realizadas com colaboradores das instituições mencionadas, que atuam em diferentes atividades dentro da esfera gerencial. As entrevistas podem ser descritas como uma técnica de interação entre partes com o objetivo de buscar informações e conhecimentos adquiridos por meio da experiência dos participantes (Alves e Silva, 1992; Duarte e Barros, 2010; Dantas, 2016). Elas foram realizadas até que as respostas passaram a apresentar saturação, momento em que o número de entrevistados de cada instituição se aproximava de dez. A coleta de dados é considerada saturada quando não apresenta novas informações, não alterando o fenômeno que se está estudando (Nascimento et al., 2018) e quando passa a obter retornos decrescentes e nada de novo está sendo adicionado (Marshall, Cardon, Poddar e Fontenot, 2013).
Para as entrevistas, foi utilizado o roteiro de entrevista apresentado na Tabela 3, criado com base nos fatores de análise do empreendedorismo digital apresentados anteriormente na Tabela 2. Ao todo, foram realizadas 30 entrevistas, tendo sido entrevistados 10 colaboradores de cada instituição. As entrevistas ocorreram de forma remota, sendo 28 por telefone e 2 pelo aplicativo Teams. Todas foram gravadas mediante a autorização dos entrevistados, tendo totalizado 24 horas e 30 minutos de gravação, representando um tempo médio de 48 minutos por entrevista.
Roteiro de entrevista | Autor base |
---|---|
1. Foram percebidas mudanças em seu ambiente de trabalho após o surgimento da pandemia de COVID-19? | Inglat et al., 2017. |
2. Foram percebidas mudanças na comercialização de produtos ou serviços na instituição bancária em que trabalha após o surgimento da pandemia de COVID-19? | Hull et al., 2007. |
3. Ocorreu redução no quadro de colaboradores da instituição em que trabalha após o surgimento da pandemia de COVID-19? | Hull et al., 2007. |
4. A quantidade de produtos e serviços ofertados de forma digital cresceu nas instituições bancárias após o surgimento da pandemia de COVID-19? | Bader, 2011. |
5. Após o surgimento da pandemia de COVID-19, notou alguma mudança na cultura organizacional na instituição em que trabalha? | Inglat et al., 2017. |
6. As infraestruturas digitais das instituições bancárias influenciam a digitalização de processos e o avanço do empreendedorismo digital? | Gomber et al., 2017. |
7. Qual a sua contribuição ou participação no desenvolvimento digital na instituição bancária em que trabalha? | Sussan e Acs, 2017. |
8. Após o surgimento da pandemia de COVID-19, identificou na instituição em que trabalha novas ferramentas em busca de maior eficiência operacional? | Steininger, 2019; Kraus et al., 2019. |
9. Na instituição em que trabalha, identificou a replicação de algum procedimento, produto ou serviço criado por outra instituição? | Inglat et al., 2017. |
10. Na instituição em que trabalha, percebeu mudanças nas competências exigidas dos colaboradores após o surgimento da pandemia de COVID-19? | Inglat et al., 2017. |
11. Em sua percepção, ocorreram mudanças nos modelos de negócios na instituição em que trabalha após o surgimento da pandemia de COVID-19? | Kraus et al., 2019. |
12. Qual a sua percepção sobre a confiança dos clientes nos negócios digitais? | Kraus et al., 2019. |
13. Na instituição em que trabalha, foram identificadas mudanças na operacionalização dos negócios durante o período da pandemia de COVID-19? | Site MoneyTimes, acesso em 02 de maio de 2020. |
14. Foram identificadas mudanças no comportamento dos clientes em relação aos serviços digitais durante o período da pandemia de COVID-19? | Site MoneyTimes, acesso em 02 de maio de 2020. |
15. Você acrescentaria algum fator adicional ao avanço do empreendedorismo digital após o surgimento das fintechs e da pandemia de COVID-19 que não foi comentado nessa entrevista? |
Fonte: elaboração própria.
Durante a realização das entrevistas, que em sua maioria ocorreu fora do horário de expediente do entrevistado, grande parte deles informou estar atuando em home office, que se caracteriza pela realização das mesmas atividades, habituais do ambiente físico das instituições, mas agora exercidas de suas residências. Essa modalidade de trabalho ocorreu em virtude das medidas de distanciamento impostas pela pandemia de COVID-19.
3.3 Procedimentos de análise de dados
A análise dos dados foi feita a partir da reunião dos textos gerados pela transcrição das entrevistas com os respondentes, que totalizaram 226 páginas. Na sequência da transcrição, foi feita uma leitura de todos os documentos com a intenção de gerar uma percepção geral sobre os resultados. Em uma releitura, os dados foram codificados e separados em grupos de recursos e fatores, conforme apresentados no quadro conceitual (Tabela 2), tendo como auxílio do Atlas TI, software de análise de conteúdo. A utilização de um programa de análise de conteúdo contribui na condução da análise dos dados (Creswell, 2010). A partir da interpretação do conteúdo das entrevistas e com base na teoria isomórfica, os dados foram compilados e analisados.
A seguir são apresentados os resultados do estudo. Em alguns momentos, recorre-se a trechos de entrevistas para ilustração dos resultados. Ao longo do texto, os entrevistados são identificados como E1 até E30, por questões de sigilo.
4. Análise dos resultados
4.1 Caracterização dos respondentes
Inicialmente, após a transcrição das entrevistas e organizados os textos, foi feita a caracterização do perfil dos respondentes. Para se garantir a diversidade, foram consideradas 30 entrevistas, sendo 10 de cada uma das instituições bancárias. A amostra foi composta por 17 profissionais do sexo masculino (57%) e 13 do sexo feminino (43%), com idade média de 38 anos (idade mínima de 26 e máxima de 59 anos).
Os respondentes atuam, em média, há 15 anos no setor bancário e, em média, há 13 anos na atual instituição. Todos os respondentes atuam na área gerencial, sendo que 70% atuam na área comercial e 13% na área administrativa de agências e 17% em departamentos das instituições. No que diz respeito ao nível de escolaridade, 10% informaram cursar ou ter concluído mestrado, 43% dos entrevistados mencionaram ter feito cursos de pós-graduação ou MBA, 40% informaram possuir nível superior e 7% dos participantes mencionaram ter cursado até o ensino médio.
4.2 Empreendedorismo digital nas instituições bancárias
A partir da leitura e releitura dos textos gerados pela transcrição das entrevistas, foi possível identificar os diversos códigos elencados como recursos (Finanças, Redes, Capital humano e Criação e disseminação do conhecimento) e fatores de análise em empreendedorismo digital demonstrados na Tabela 2 (anteriormente apresentada). Do estudo empírico, emergiu um novo recurso, circulado em vermelho na Figura 1 e seus respectivos fa tores destacados em azul.
Destaque deve ser dado aos elementos que surgiram do estudo empírico. A pandemia de Sars-Cov, que avançou especialmente a partir de março de 2020, deu origem a um novo grupo de recursos chamado COVID-19. No processo de adaptação às condições da pandemia, os clientes das instituições bancárias que mantinham o relacionamento de forma presencial, principalmente as gerações com mais idade, tiveram que aceitar o uso da tecnologia (Navaneetha Krishnan, Venkateswaran e Sathish, 2020). Com isso, os fatores, “mudanças no relacionamento com os clientes em decorrência da pandemia de COVID-19”, que já fazia parte do grupo de Finanças, e “mudanças na operacionalização dos negócios durante a pandemia de COVID-19”, que estava no grupo Criação e disseminação de conhecimento, foram realocados para o grupo de recursos COVID-19, por estarem diretamente relacionados à pandemia.
A pesquisa de campo evidenciou que muitos colaboradores das instituições bancárias tradicionais, por se encontrarem em categorias consideradas ‘de risco’, foram realocados para trabalhar em home office. Além disso, para facilitar os negócios, em virtude da atuação dos colaboradores das instituições em home office, muitas instituições permitiram a assinatura digital para a efetivação de seus negócios e alteraram condições gerais de operações bancárias, como empréstimos, financiamentos e renegociações.
Após a análise de conteúdo por meio das codificações criadas no Atlas Ti (com base nos fatores apresentados na Tabela 2), gerou-se o resultado apresentado na Figura 2.
Com base nos resultados na Figura 2, a partir dos fatores cadastrados e destacados na Tabela 2, são identificados formatos diferentes de setas. Algumas têm duplo sentido, não importando qual a origem ou o destino, trazendo a ideia de correlação, enquanto outras, em sentido único, identificam que determinado fator consequentemente afeta o outro. Como exemplo, podemos citar o quadro de colaboradores afetando as infraestruturas digitais em busca por eficiência operacional.
A confiança dos clientes nos negócios digitais é associada ao quadro de colaboradores. Os colaboradores são afetados pela mudança no relacionamento com os clientes durante a pandemia de COVID-19, pelas infraestruturas digitais e pela busca por eficiência operacional. A figura também demonstra que o quadro de colaboradores tem participação no desenvolvimento digital, influenciando os produtos e serviços em formato digital. A opinião dos colaboradores influencia a reformulação dos produtos e serviços para novos canais, conduzindo as mudanças na operacionalização dos negócios. As mudanças nos modelos de negócios fazem com que os colaboradores tenham que se adaptar às novas rotinas, precisando se reciclar constantemente.
De acordo com a fala dos entrevistados, é possível perceber que o comportamento dos clientes modificou. Eles passaram a consumir produtos e serviços de forma diferente, de forma digital, situação que está associada também com as mudanças na operacionalização dos negócios. O único fator que não apresentou ligação direta com o quadro de colaboradores foi o sistema de tecnologia da informação, que está relacionado com a capacidade das instituições responderem à tecnologia apresentada pelo mercado.
Com base nos resultados gerados pelo software Atlas TI, observou-se que os impactos da pandemia de COVID-19 ocorreram principalmente sobre o capital humano, visto que na Figura 2, o quadro de colaboradores está ligado com praticamente todos os outros fatores. Em publicação do site MoneyTimes, os executivos dos bancos Itaú Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil, analisaram o panorama atual e o papel do setor bancário dentro do cenário atual, concluindo que, “diferentemente das crises anteriores, as instituições financeiras são uma parte determinante para combater os impactos da COVID-19 na economia e precisam atuar em conjunto com a esfera pública”.
4.3 Fatores mais diretamente relacionados à COVID-19
De acordo com o relato dos entrevistados, as mudanças decorrentes da pandemia de COVID-19 refletiram especificamente na operacionalização dos negócios, gerando o fator “mudanças na operacionalização dos negócios em decorrência da pandemia de COVID-19”. Nesse fator, as principais mudanças percebidas pelos colaboradores foram a adequação do trabalho em home office e a condução das operações para os meios digitais, como podem ser detalhadas nos trechos a seguir:
“A gente vê com essa questão da pandemia, nós conseguimos a adequação para trabalhar parte do contingente de funcionários em home office, difícil de imaginar no setor bancário. Foi divulgado recentemente, para nós, que em torno de 36.000 funcionários estão atuando nessa modalidade” (E4).
“A diminuição de agências, isso até em decorrência da própria pandemia, nós vemos que é um cenário que tende meio que a ficar, o home office, o pessoal mais distante, não tanto aquele atendimento presencial, porém mais remoto, mais virtual, mais à distância” (E7).
“Então, o que eu vejo com advento da pandemia e dentro do empreendedorismo digital é que o banco precisou avançar, juro para você, acho que uns cinco ou mais anos, precisou avançar em tecnologia. Eu acredito que esse trabalho de home office é um trabalho que seria uma tendência do empreendedorismo digital, mais cedo ou mais tarde, ele se faria necessário até para a redução de custos, estrutura de aluguel de prédios, então envolve muitas coisas” (E8).
“As contas, antes da pandemia, não eram abertas de forma digital, começou agora, começou tudo ao mesmo tempo, celulares corporativos são recentes, que é uma forma de começar os processos, e agora, durante a pandemia, a gente pode abrir conta digital, pelo celular corporativo” (E14).
“Na cultura [mudanças] com certeza, principalmente em conhecimento, que por conta do COVID e tudo mais, então hoje em dia não existe mais nenhuma reunião, nenhuma audioconferência. Antes, nas agências, era muito comum ter áudio conferência no início da manhã ou no final da tarde, hoje em dia é tudo videoconferência para tudo, até para as reuniões” (E17).
“Quando começou a pandemia, o banco imediatamente afastou metade da equipe para ter o distanciamento dentro do ambiente e a metade ficou trabalhando no espaço com distanciamento. Na semana seguinte, todos os funcionários estavam com o notebook do banco trabalhando de suas casas” (E28).
Da mesma forma, em relação ao fator “mudanças no relacionamento com os clientes em decorrência da pandemia de COVID-19”, os colaboradores indicaram perceber que os bancos se utilizaram da situação enfrentada com a pandemia para conseguir fazer com que muitos clientes que antes eram resistentes ao uso de mídias digitais passassem a utilizá-las. Uma das formas encontradas para isso foi a restrição do acesso das pessoas às agências, alterações nos horários de atendimento, contratação de colaboradores para setores específicos. Um dos colaboradores descreveu o quanto as condições pandêmicas foram positivas para o banco, pois mesmo com a situação de agências fechadas, os clientes não reclamavam com a situação. Alguns trechos de entrevistas dão evidências a respeito:
“Eu acho que está crescendo a cada dia mais e de forma muito rápida [mudanças no relacionamento]. Eu me lembro de ter visto uma pesquisa em 2018, pouquíssimos clientes têm acesso a canais digitais e hoje esse número já multiplicou várias vezes e ainda diante da pandemia cresceu ainda mais” (E2).
“Eu acho que não, é mais o ângulo de visão [mudanças no relacionamento], porque a pandemia, ela antecipou diversos movimentos que a gente já vinha falando que iriam acontecer com o passar dos anos. Eu acho que a questão de isolamento, a necessidade de você ter um determinado serviço, uma determinada solução, é que talvez fosse ser mais demorada para aparecer” (E6).
“Acho que o grande desafio agora das instituições será o seguinte: a confiança” (E8).
“Eu percebo que está voltando, principalmente por conta do COVID-19 mas continua a cobrança em cima da migração, porque o brasileiro ainda tem muita resistência em relação à utilização, mas o COVID-19, de certa forma, ajudou, porque ou a pessoa usa ou não usa, e nós estamos fazendo o controle de acesso. Entram três, quatro pessoas no máximo na agência e fica aquela fila grande na parte de fora, e se a pessoa não se auto atender ela vai ficar ali tranquilamente uma hora ou mais esperando” (E11).
“Eu acho que, de forma geral, a gente tem conseguido alcançar um maior número de pessoas, e com a pandemia isso acelerou o processo, com certeza, porque muita gente não tinha o aplicativo instalado e se viu na obrigação, posso dizer assim, de instalar, e ter que perguntar, e ter que absorver esse conhecimento a mais” (E19).
“Na verdade, essa pandemia caiu no colo dos bancos, até para acelerar esse processo da migração das fintechs, para chegar nessa proximidade maior, porque até então essa ‘forçada de barra’ para essa migração era sempre no período das greves que as pessoas procuram e agora, pensa, vem uma pandemia, eles fecharam as agências ninguém reclamou, todo mundo tem que se virar, eles viram que tiveram um bom retorno, já estão vendo com outros olhos” (E22).
“A pandemia trouxe para a gente algo interessante, a gente não via clientes idosos utilizando canais digitais, porque eles tinham o costume de ter a gente lá para servir a eles, para poder fazer o que eles queriam, era como se fôssemos secretários deles [...], mas eu vejo que agora a gente pega todos os dias ligação de cliente tentando acessar a Internet Banking” (E29).
A pandemia de COVID-19 impactou também o setor bancário, que precisou servir como intermediário financeiro para que o Governo pudesse amparar economicamente a população (Rizwan, Ahmad e Ashraf, 2020) e o risco sistêmico em todo o mundo, situação que foi observada pelos entrevistados. Neste contexto, Bresser- Pereira (2020) enfatiza que a crise econômica que está sendo promovida pela pandemia de COVID-19, pode ser maior do que o da Grande Depressão da década de 30.
4.4 Análise das mudanças decorrentes da COVID-19 à luz das forças isomórficas
A partir do relato dos entrevistados, foi possível compreender que todos identificaram mudanças nas instituições tradicionais com o intuito de se adequar às novidades inseridas pela pandemia no mercado. As mudanças que se apresentaram de forma física e estrutural se contrapõem ao entendimento de Inglat et al. (2017) e Yang e Wang (2012), que destacaram que a prática de replicar atitudes e procedimentos das empresas legitimadas no campo, cabe aos entrantes no mercado. Nessa situação, ao contrário dos preceitos do isomorfismo institucional, a necessidade de adequação partiu das empresas que já estão legitimadas no campo, sendo considerado um “formato diferenciado” que se apresenta nesse campo de estudo.
A adequação aos processos empresariais desenvolvidos pelo mercado foi destacada nos artigos seminais de Zucker (1977), Meyer e Rowan (1977) e de DiMaggio e Powell (1983). Essa necessidade de adequação e a forma de realização de suas atividades, para não perder market share, foram observadas nas instituições pelos entrevistados e demonstraram também concordância com os estudos de Eberhart et al. (2017), Iredele et al. (2019), Ye et al. (2020) e He et al. (2020).
Complementando, Guerreiro, Pereira e Frezatti (2006) e Du (2018), destacaram ainda que uma organização resulta de necessidades e pressões sociais, tomando por base hábitos e rotinas de um grupo, situação que se identifica no contexto das instituições tradicionais, que buscam se adequar aos hábitos das novas gerações.
Para a interpretação do “isomorfismo coercitivo” foi tomada por base a percepção de Inglat et al. (2017), que se relaciona à cultura, aos modelos de negócios e às tecnologias. De acordo com essa percepção, as mudanças na estrutura de uma empresa variam de acordo com a mudança de pensamento social, tecnológico e econômico, podendo ser alteradas conforme uma nova expectativa social ou cultural seja criada, ou conforme são criadas novas leis que impliquem nisso. Nesse sentido, se observa, a partir dos relatos dos entrevistados, a ocorrência desse tipo de isomorfismo nas instituições bancárias tradicionais. Nesse tipo de isomorfismo, a força exercida ocorreu por meio de coerção, pois as instituições tradicionais não tiveram alternativas a não ser seguir o movimento proposto pelo mercado em termos de digitalização dos negócios e pelas autoridades governamentais em função do isolamento social por conta da COVID-19. Esse movimento de coerção foi uma das formas destacadas por Sacomano Neto et al. (2013), no que se refere a forma de como pode ser influenciado o comportamento de uma instituição.
O “isomorfismo mimético”, conforme preconizado por Tuttle e Dillard (2007) e Inglat et al. (2017), surge a partir da educação corporativa e da divulgação de conhecimentos adquiridos na área ou no setor de atuação, que foram consideravelmente evidenciados pelos participantes das entrevistas. Todos demonstraram que as instituições estudadas primam e incentivam o aprendizado e o compartilhamento de conhecimento em seus ambientes profissionais, o que caracteriza a ocorrência desse tipo de isomorfismo nas instituições. As instituições bancárias tradicionais, fazendo jus aos seus nomes e suas histórias, buscam sempre elevar a confiabilidade de seus clientes e do mercado. Em seu estudo, DiMaggio e Powell (2005) destacaram que geralmente esse mecanismo é usado por empresas que possuem poucos recursos ou tecnologia limitada, mas que não se aplica às instituições financeiras estudadas.
Por fim, o “isomorfismo normativo”, está relacionado ao capital humano das organizações, às competências dos trabalhadores e à construção do perfil do administrador, que compartilha normas e métodos de trabalho, conforme destacado nos estudos de Inglat et al. (2017). No setor bancário, a maior parte dos entrevistados observou mudanças e adequações das competências dos trabalhadores aos novos modelos de atuação no setor. Desta forma, permite-se o entendimento da ocorrência desse tipo de isomorfismo nas instituições bancárias, principalmente nos relatos em que as instituições buscam usar práticas modernas que gerem resultados positivos, com o intuito de transmitir qualidade aos clientes, aos parceiros e ao mercado.
De forma geral, a pandemia do COVID-19 fez com que as instituições bancárias fizessem grandes mudanças em suas rotinas, produtos, serviços e até mesmo nos seus modelos de negócios. Em entrevista ao site Época Negócios, em 17 de abril de 2020 (https://www.epocanegocios.globo.com ), o CEO do Bradesco, Octávio de Lazari Júnior, relatou que alguns meses antes da pandemia foi resistente em permitir que 300 colaboradores da instituição que dirige operassem em home office, e no momento da entrevista informou ter 40 mil colaboradores operando nesse formato. Destacou que “pareceu um tipo de penitência” e que “fez em semanas o que não fez em dez anos”, se referindo à aceleração sobre os processos digitais. Já o CEO do Itaú, Cândido Bracher, destacou que “a situação poderia ser pior se as taxas de juros da economia brasileira não estivessem em patamares historicamente baixos pré-coronavírus”.
A próxima seção apresenta as discussões dos resultados. Por fim, são feitas considerações finais, evidenciando contribuições, limitações e sugestões de pesquisa futura.
5. Discussões
A importância das instituições bancárias tradicionais no contexto do setor bancário brasileiro e seu comportamento em relação ao surgimento da pandemia de COVID-19, o referencial teórico e a pesquisa de campo permitiram analisar as mudanças ocorridas em direção ao empreendedorismo digital. Quando as instituições buscam seguir as tendências do mercado, modificam seus padrões de realização das atividades e comercializam produtos e serviços em formato digital, elas estão buscando o empreendedorismo digital, de forma que podem ser consideradas, moderadamente digitais (Hull et al., 2007). Nesse contexto, foram destacadas, muitas adaptações e mudanças no setor bancário brasileiro, principalmente em decorrência da pandemia.
O objetivo proposto no estudo, de avaliar as mudanças ocorridas em instituições bancárias brasileiras tradicionais em direção ao empreendedorismo digital, em decorrência da pandemia de COVID-19, conduziu a pesquisa no sentido de identificar se ocorreram mudanças na condução dos negócios nas instituições a partir do início da pandemia. Foi observada a migração da quase totalidade de produtos e serviços que antes eram realizados de forma física para o formato digital, como mudanças nos sistemas de investimento, no formato de abertura de novas contas e modalidades de cartões digitais, por exemplo. Além disso, é preciso considerar também a forte influência exercida sobre o avanço dos segmentos e escritórios digitais nas instituições.
A realização das trinta entrevistas com colaboradores do setor bancário permitiu identificar a evolução dos sistemas de tecnologia da informação e os investimentos das instituições em robustas infraestruturas digitais, que permitiram consideráveis avanços para o enfrentamento da pandemia, visto que as instituições já dispunham de uma consistente base tecnológica. Essa tecnologia contribuiu para o avanço do empreendedorismo digital alcançado nos últimos meses.
No que se refere ao isomorfismo institucional, o formato resultante das instituições bancárias contraria os artigos seminais a respeito, pois é possível perceber a necessidade de adequação das instituições que já estão legitimadas no campo para o enfrentamento das condições pandêmicas, contrapondo a teoria que descreve que os entrantes do mercado precisam se adequar às condições mercado. Em relação às forças isomórficas, as três forças foram identificadas no comportamento das instituições tradicionais em virtude da pandemia de COVID-19. As forças coercitivas se apresentaram nas mudanças de percepção social, tecnológica e econômica do setor bancário por parte das instituições tradicionais. As forças miméticas foram evidenciadas nos incentivos e no compartilhamento de informações e conhecimento no ambiente das instituições. As forças normativas, por sua vez, se apresentaram à medida que os colaboradores necessitaram mudar e adequar suas competências para acompanhar os movimentos do setor.
A pandemia de COVID-19 motivou as instituições a realizarem mudanças que podem ser explicadas pelo isomorfismo, sendo voltadas ao modelo de negócios, aos produtos e serviços e ao relacionamento com o cliente. Tais mudanças afetaram diretamente o quadro de colaboradores dos bancos, que se tornaram um elo importante para que todas essas mudanças ocorressem. Os sistemas de tecnologia da informação e a participação desses colaboradores nos processos de desenvolvimento digital apresentaram evidências de como o empreendedorismo digital foi importante para que os objetivos das instituições fossem alcançados. Além disso, outros benefícios foram percebidos, como a eficiência operacional para continuar atendendo os clientes por outros canais e a confiança dos clientes nesses negócios digitais.
O estudo conclui que o empreendedorismo digital é influenciado nas instituições bancárias tradicionais a partir do surgimento da pandemia de COVID-19. Isso ocorre em virtude de que as instituições bancárias tradicionais cada vez mais direcionam seus produtos e serviços para o formato digital, o que permite que elas contribuam consideravelmente com o direcionamento e o avanço do empreendedorismo digital. Esse movimento permite a compreensão da influência direta da pandemia nesse avanço, visto que retirou as instituições tradicionais de suas zonas de conforto.
O estudo oferece contribuições teóricas no sentido de elevar as bases de informação sobre a influência gerada pelo surgimento da pandemia de COVID-19 sobre as instituições bancárias tradicionais brasileiras. Além disso, o estudo apresenta o quadro teórico de recursos e fatores do empreendedorismo digital, que foi consolidado na literatura e avaliado na prática, podendo ser utilizado em pesquisas futuras sobre empreendedorismo digital.
Em termos de contribuições práticas, o estudo permite que as instituições bancárias estudadas possam compreender como a pandemia de COVID-19 influencia o avanço do empreendedorismo digital no setor bancário. O estudo também oferece subsídios para gestores analisarem o comportamento de seus colaboradores frente aos novos modelos de atendimento do mercado e às novas tecnologias disponíveis, buscando melhores estratégias para fazer sua gestão. Além disso, foram apresentadas evidências qualitativas, por meio de trechos de entrevistas, reforçando os achados do estudo.
Como limitações deste estudo, destaca-se que os resultados se aplicam ao contexto das três instituições bancárias estudadas. Contudo, novas pesquisas podem fazer uso de métodos quantitativos para explorar os aspectos de empreendedorismo digital em uma amostra mais abrangente e, mesmo em outros segmentos, de modo a avaliar os impactos da COVID-19 em contexto mais amplo, avaliar estatisticamente a relação entre as variáveis.